A família de Henrietta Lacks, uma mulher afro-americana cujas células foram extraídas sem consentimento em 1951 e que se tornaram uma peça fundamental na pesquisa médica, entrou com mais um processo judicial. Desta vez, as gigantes farmacêuticas Novartis e Viatris estão no centro da controvérsia, acusadas de lucrar ilegalmente com o uso das células “HeLa” sem compensação ou autorização da família de Lacks.
O Legado das Células HeLa
Henrietta Lacks era uma jovem mãe de três filhos, residente em Baltimore, quando, aos 31 anos, foi diagnosticada com câncer cervical. Durante um tratamento no Hospital Johns Hopkins, seus médicos coletaram amostras de tecido tumoral sem informá-la ou obter seu consentimento. Esses tecidos deram origem à primeira linha de células humanas imortalizadas, conhecidas como células HeLa, que possuem a capacidade única de se reproduzir indefinidamente em laboratório.
Desde então, as células HeLa foram fundamentais em inúmeras descobertas científicas, incluindo o desenvolvimento da vacina contra a poliomielite, avanços na cartografia genética e, mais recentemente, na produção da vacina contra a COVID-19. No entanto, enquanto a comunidade científica e a indústria farmacêutica prosperaram com as HeLa, a família Lacks permaneceu alheia aos benefícios financeiros dessas descobertas, até que começaram a buscar justiça.
A Luta por Justiça
Os processos recentes contra Novartis e Viatris são apenas os mais recentes em uma série de ações legais movidas pela família Lacks. Em 2023, a família já havia chegado a um acordo com a Thermo Fisher Scientific, e uma ação semelhante está em andamento contra a Ultragenyx.
De acordo com a nova ação judicial, as empresas Novartis e Viatris “se enriqueceram injustamente” ao usar as células HeLa para desenvolver medicamentos como o Famvir (para herpes), Kymriah (terapia CAR-T para câncer) e Zolgensma (terapia gênica para atrofia muscular espinhal), sem compensar a família de Henrietta Lacks.
O advogado da família, Ben Crump, um renomado defensor dos direitos civis, destacou o histórico de exploração de pessoas negras na pesquisa médica, usando o caso de Lacks como um exemplo trágico dessa prática. “A história de Henrietta Lacks é um lembrete contundente desse legado sombrio. Chegou a hora dessas corporações serem responsabilizadas por seu enriquecimento injusto e fornecerem à família Lacks o reconhecimento e a compensação que merecem”, afirmou Crump.
Implicações Éticas e Legais
A questão central nesses processos é a exploração das células de Henrietta Lacks sem seu consentimento, uma prática que, embora legal na época, levanta sérias questões éticas nos dias atuais. As ações judiciais buscam não apenas a compensação financeira, mas também um reconhecimento formal das injustiças cometidas e um impedimento legal para o uso contínuo das células HeLa sem a permissão da família.
O caso de Henrietta Lacks continua a ressoar como um dos exemplos mais significativos da interseção entre ciência, ética e direitos civis. O desfecho dessas ações judiciais poderá estabelecer precedentes importantes sobre a responsabilidade corporativa e o tratamento justo das contribuições involuntárias às descobertas científicas.