A 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) julga nesta semana uma ação importante para a indústria farmacêutica. A discussão gira em torno do alcance da decisão que limitou o prazo de patentes a 20 anos. O julgamento, que começou na última sexta-feira, 1°, é realizado no plenário virtual até 11 de dezembro.
No caso concreto, a Corte decide se o laboratório EMS poderia ter iniciado a produção da versão genérica do anticoagulante rivaroxabana antes da decisão do Supremo, em maio de 2021. Pelo critério fixado na decisão, a patente da farmacêutica Bayer sobre a substância expirou em dezembro de 2020. O laboratório diz que a produção começou em abril de 2021, após o ministro Dias Toffoli proferir decisão liminar suspendendo a prorrogação do prazo de patentes.
Os ministros avaliam uma reclamação contra decisão de um tribunal de primeira instância que condenou a EMS a destruir os lotes produzidos antes da decisão do STF e a indenizar a Bayer por violação de patente. A ação não é vinculante a outros processos, mas pode servir de precedente para casos similares.
Em outubro, o ministro Luiz Fux proferiu decisão monocrática acolhendo a reclamação da EMS. A Bayer entrou com recurso pedindo a reconsideração da decisão de Fux, e por isso a ação foi levada para análise do colegiado da 1ª Turma. Ainda faltam votar os ministros Alexandre de Moraes, Cármen Lúcia e Cristiano Zanin.
Esta é a terceira reclamação de farmacêuticas estrangeiras que chega ao Supremo. Nos dois primeiros casos, a Corte deu razão ao argumento dos laboratórios nacionais. Os ministros entenderam que a Justiça não está autorizada a prorrogar patentes.
Segundo um levantamento realizado pelo Grupo Farma Brasil, uma associação que representa os principais laboratórios nacionais, atualmente existem 47 processos judiciais movidos por empresas farmacêuticas estrangeiras. Essas ações buscam a extensão de patentes após a decisão proferida pelo Supremo.
Um estudo de maio deste ano feito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), à pedido da Farma Brasil, estimou que o orçamento do SUS pode ficar até R$ 1 bilhão mais caro e os remédios teriam aumento de até 60% caso essas patentes sejam estendidas. O estudo considera apenas as 39 ações judiciais de laboratórios que tramitavam na época.
Na petição ao STF, o EMS argumentou que a importação e a manipulação de matéria-prima para a produção da substância no período que vai do fim do prazo de 20 anos da patente, ou seja, de 11 de dezembro de 2020, até a publicação da ata de julgamento no Supremo, em 13 de maio de 2021, não pode embasar qualquer condenação.
Os advogados do laboratório alegam que o uso do medicamento com patente expirada configura o “reconhecimento de uso lícito de invenção que havia caído em domínio público”.
Entenda
Em 2021, no julgamento da ADI 5529, o Supremo declarou inconstitucional a regra que permitia a prorrogação dos prazos de patentes em caso de demora na análise do pedido pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI). A Corte decidiu que, no caso de produtos farmacêuticos, a decisão teria efeitos retroativos. Portanto, a partir do julgamento, patentes de medicamentos que já haviam ultrapassado o prazo de 20 anos perderam validade.
O STF fez uma ressalva para preservar “eventuais efeitos concretos já produzidos em decorrência da extensão de prazo das referidas patentes”. No caso do tribunal que condenou a EMS a indenizar a Bayer, Fux entendeu que a sentença aplicou incorretamente a decisão do Supremo.
De acordo com Fux, a preservação dos “efeitos concretos” teve o objetivo de evitar a judicialização de contratos realizados no período da patente estendida e impedir que o detentor da patente fosse responsabilizado por “uso privilegiado indevido”. O ministro destacou que essa ressalva, contudo, não autoriza os laboratórios a obter indenizações por atividades que seriam proibidas caso a patente estivesse válida.
O lado da EMS
O professor da Faculdade de Direito da USP André Ramos Tavares, hoje ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), disse em parecer jurídico elaborado para a EMS que “a patente aqui em referência definitivamente expirou em dezembro de 2020”. “E o que temos, na prática, é que a Bayer está a pretender, neste momento, extrair consequências jurídicas em período no qual já não detinha mais o privilégio patentário”, afirmou.
O advogado Flávio Jardim, do escritório Sérgio Bermudes, que representa a EMS no STF, reforça que a decisão do STF declarou extintas as patentes que haviam ultrapassado a vigência de 20 anos. “De forma alguma os ‘efeitos concretos’ significam que a Bayer poderia prorrogar a patente dela”, afirmou.
“O Supremo está mais uma vez ratificando que não há possibilidade de extensão de patentes de medicamentos no Brasil. É a vitória da coletividade sobre os interesses de laboratórios estrangeiros que querem prorrogar infinitamente suas patentes”, avalia o advogado Elias Nóbrega, também do Sérgio Bermudes.
O lado da Bayer
Em manifestações enviadas ao STF, a Bayer nega que busque a prorrogação da patente. “O ponto central da discussão é que a decisão reclamada se limitou a resguardar os efeitos concretos produzidos pela patente até o julgamento da ADI 5529”, afirmou a defesa da empresa em junho.
Procurada pela reportagem, a Bayer disse em nota que “investe cerca de 15% de seu faturamento em pesquisa e desenvolvimento de novos medicamentos, sendo que o tempo médio para a concessão de uma patente na área farmacêutica em 2018 e 2021, por exemplo, foi de aproximadamente 10 e 13 anos”.
“A Bayer cumpre e respeita as normas brasileiras, e assim como outras empresas, busca, com argumentos jurídicos legítimos, uma resposta jurisdicional para questões que ainda não estão pacificadas nos tribunais. Especificamente em relação à RcI 59091, em julgamento no STF, a empresa aguarda a decisão do julgamento em andamento, e caso considere pertinente, avaliará opções legais posteriormente ao acórdão ser proferido”, afirmou em nota.
Referências
Agência Estado