Veneno de Aranha tem potencial para tratar a Disfunção Erétil

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Um estudo pioneiro realizado por pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) revelou que o veneno da aranha Phoneutria nigriventer, uma das mais venenosas do Brasil, pode conter a chave para um tratamento inovador e seguro contra a disfunção erétil. O priapismo, uma ereção prolongada e dolorosa, é um efeito colateral conhecido desse veneno em homens jovens.

A Importância da Descoberta

A pesquisa, liderada pela renomada professora Maria Elena de Lima, do Departamento de Bioquímica e Imunologia do ICB da UFMG, começou há quase duas décadas. Essa notável jornada científica começou com a curiosidade de entender os efeitos do veneno dessa aranha, que incluem a ereção involuntária e desconfortável em seres humanos.

A Phoneutria nigriventer, também conhecida como aranha da bananeira ou armadeira, é uma espécie encontrada em países da América do Sul, com o Brasil sendo um de seus habitats. Ela ganhou seu nome “armadeira” devido à sua postura ameaçadora, com as patas dianteiras erguidas. Além de sua notoriedade por seu veneno potente, essa aranha é uma das mais venenosas em todo o mundo.

Do Veneno à Inovação Médica

O veneno dessa aranha, apesar de perigoso, se tornou o ponto de partida para um possível avanço na medicina. Os pesquisadores da UFMG, em colaboração com a Fundação Ezequiel Dias (Funed), iniciaram um estudo ambicioso para desvendar os mecanismos por trás do priapismo induzido pelo veneno da aranha armadeira. Esse estudo, que tem quase duas décadas de dedicação, resultou na criação de uma molécula sintética em laboratório com propriedades promissoras.

Essa molécula, nomeada BZ371A, está prestes a revolucionar o tratamento da impotência sexual. É importante destacar que esse avanço não apenas demonstra a riqueza da biodiversidade brasileira, mas também destaca a importância da preservação da fauna. A natureza continua a revelar segredos valiosos que podem ser transformados em soluções médicas eficazes.

A Professora Maria Elena de Lima enfatiza: “Esta é uma pesquisa inspirada por nossa biodiversidade, que começa com o estudo do veneno de uma aranha e está próxima de gerar um possível medicamento. Isso ajuda a demonstrar por que nossa fauna deve ser preservada: ela é uma fonte inesgotável de moléculas bioativas, e não conhecemos nem 1% desse potencial. Nosso trabalho, que é de ciência básica, busca identificar atividades biológicas de interesse nos venenos e detectar potenciais modelos de fármacos para uma ampla gama de doenças.”

Um Candidato Promissor para Impotência Sexual

O BZ371A, um candidato a medicamento para impotência sexual, passou recentemente pela fase 1 de testes clínicos, com a aprovação da Anvisa. Essa fase inicial já provou que o composto não é tóxico para seres humanos. Em um teste-piloto realizado em homens e mulheres, os pesquisadores observaram que a aplicação tópica do BZ371A resulta na vasodilatação e no aumento do fluxo sanguíneo local, independentemente de qualquer outro estímulo, facilitando a ereção peniana. Esses resultados indicam que o BZ371A é um forte candidato a medicamento eficaz para o tratamento da disfunção sexual.

Preenchendo uma Lacuna no Tratamento

Atualmente, os remédios orais disponíveis para tratar a disfunção erétil, como o Viagra e o Cialis, pertencem a uma classe de medicamentos que funciona para cerca de 70% dos pacientes. Os outros 30%, como homens hipertensos ou com diabetes grave, têm algumas contraindicações para o uso desses remédios, devido a seus riscos e efeitos colaterais sistêmicos, como hipotensão, desmaios e dores de cabeça.

A Biozeus Biopharmaceutical, empresa que adquiriu a patente desse medicamento em potencial, está se preparando para iniciar os ensaios clínicos da fase 2. Nessa etapa, o BZ371A será testado em homens que passaram por prostatectomia e que também enfrentam a disfunção erétil.

Um Novo Capítulo na Pesquisa Médica Brasileira

Paulo Lacativa, diretor executivo da Biozeus, afirma que a UFMG é uma das três universidades brasileiras com mais projetos de qualidade na área de produção de medicamentos. “Como empresa que abraçou esse projeto, temos alguns pontos a destacar. O primeiro deles é que esta talvez se torne a primeira vez em que uma descoberta da universidade brasileira resulta em uma medicação que seja desenvolvida para todo o mundo. E acreditamos que esse caso bem-sucedido, conduzido por brasileiros no Brasil, com repercussão mundial, pode ser capaz de mudar todo o ecossistema de inovação em fármacos no país”, projeta Lacativa.

Origens do Estudo e a Jornada Científica

O estudo começou com uma molécula extraída do veneno e purificada por pesquisadores da Fundação Ezequiel Dias (Funed). Liderada pelo professor Carlos Diniz, orientador de mestrado de Maria Elena na UFMG, a equipe já estudava o veneno da aranha armadeira há muito tempo.

Maria Elena conta que o trabalho com a toxina de aranha teve início na tese de doutorado da pesquisadora Kenia Pedrosa Nunes, defendida em 2008, no Programa de Pós-graduação em Fisiologia e Farmacologia. “A pesquisa, que investigava a atividade da toxina da Phoneutria nigriventer na função erétil, demonstrou, farmacologicamente, qual era o efeito por trás do priapismo”, recorda Maria Elena.

Embora o veneno cause ereção sem qualquer estímulo sexual, a condição não é desejável. “O priapismo é uma ereção prolongada e dolorosa, que pode levar à necrose do pênis”, alerta.

Por meio da pesquisa, explica a pesquisadora, foi identificada a molécula que poderia servir como modelo para o possível desenvolvimento de um remédio para disfunção erétil.

Nessa fase do trabalho, destaca a professora, foi fundamental a participação de Carolina Nunes da Silva, durante seu doutorado no Programa de Pós-graduação em Bioquímica e Imunologia da UFMG. O estudo, que investigou pela primeira vez a atividade do peptídeo sintético inicialmente batizado como PnPP-19, base das pesquisas atuais, foi premiado como a melhor tese defendida no programa em 2017.

“Carolina trabalhou com uma molécula que representa apenas uma pequena parte da toxina, obtida anteriormente, por estudos in silico, pelo grupo do professor Paulo Beirão (atual presidente da Fapemig) e indicada como a região mais imunogênica da substância. Com base nesse trabalho, sintetizamos essa molécula e passamos a experimentá-la em camundongos e ratos, para verificar se ela teria o mesmo efeito da molécula original, ou seja, a toxina da aranha. Após os testes in vitro no corpo cavernoso isolado dos camundongos, bem como nos animais anestesiados, nós observamos que essa molécula, bem menor e não tóxica, causava ereção nesses animais”, afirma Maria Elena.

Avançando com o Peptídeo PnPP-19

Após essa fase, os pesquisadores se detiveram sobre o peptídeo PnPP-19, derivado da toxina, mas sintetizado em laboratório. Para surpresa da equipe, segundo Maria Elena, a molécula manteve a capacidade de potencializar a função erétil, situação observada tanto nos testes em tecidos isolados quanto naqueles feitos em ratos e camundongos anestesiados.

Por meio da formulação de um gel, aplicado na região inguinal do camundongo, os pesquisadores testaram ainda o efeito do composto quando administrado com outros medicamentos hoje utilizados, como o Viagra. “Os testes demonstraram que a administração conjunta potencializava o efeito na ereção apresentada por esses animais”, diz.

Ingresso da Iniciativa Privada

Após esses resultados, considerados bastante promissores, o peptídeo foi patenteado pela Coordenadoria de Transferência e Inovação Tecnológica (CTIT) da UFMG, órgão responsável por gerenciar as ações de transferência tecnológica da Universidade. Foi nessa fase do processo que a Biozeus, uma empresa de biotecnologia brasileira, conheceu o estudo e manifestou interesse pela patente.

“A Biozeus se interessou, e foi feita a transferência da patente do peptídeo para a empresa, que batizou o composto de BZ371. A empresa, então, fez uma parceria com a Universidade, adquiriu a patente e, ao mesmo tempo, encomendou testes do peptídeo em vários laboratórios do mundo, uma exigência para que o composto fosse validado nos testes pré-clínicos. Esse peptídeo passou por todos os testes, não demonstrando nenhuma toxicidade, e, o mais importante, propiciou o desenvolvimento de um composto para aplicação tópica. Todos esses testes ajudaram a demonstrar que o peptídeo, assim como a toxina, libera o óxido nítrico, um neuromediador comum e fundamental no processo da ereção. Após a administração do peptídeo, há um aumento considerável da liberação desse óxido nítrico, que leva à dilatação do corpo cavernoso e a uma consequente ereção”, explica Maria Elena.

O Papel da Biozeus no Desenvolvimento

O diretor executivo da Biozeus, Paulo Lacativa, explica o papel assumido pela empresa na cadeia de desenvolvimento do candidato a fármaco. “Nós temos três atores nesse caminho: o primeiro é o pesquisador, que investiga e descobre. Isso geralmente – não só no Brasil mas no mundo inteiro – ocorre na universidade. Nesse caso, a equipe liderada pela professora Maria Elena conseguiu determinar muito bem o mecanismo de ação e o funcionamento do peptídeo. O segundo ator é o desenvolvedor, papel assumido por nós. É o desenvolvedor que leva o que está sendo descoberto na universidade a uma indústria farmacêutica. Esse terceiro ator é justamente aquele que vai produzir e comercializar esse produto para a sociedade”, conta.

A Fase 2 e a Esperança para Homens Prostatectomizados

Após assumir a patente do composto e nomeá-lo BZ371A, a Biozeus realizou testes preliminares pendentes e apresentou o trabalho à Anvisa, a fim de solicitar a autorização para o teste clínico de fase 1. Essa fase foi precedida de experimento-piloto, realizado tanto em homens quanto em mulheres. “Essa etapa demonstrou que o peptídeo aplicado topicamente não teve nenhum efeito colateral detectável pelos testes bioquímicos ou de pressão arterial. Tanto em homens como em mulheres, ele provocou aumento do fluxo sanguíneo na região inguinal. Esse teste foi muito importante para demonstrar que o peptídeo tinha efeito em seres humanos – vale lembrar que não é sempre que o efeito observado em animais se repete no ser humano”, observa Maria Elena.

Estudos Clínicos em Homens Prostatectomizados

Os estudos clínicos, detalha o diretor da Biozeus, dividem-se em três fases, antes de chegar ao registro do fármaco. “A primeira avalia os efeitos do possível remédio no organismo humano. Nessa etapa, aplica-se a medicação e avaliam-se seus efeitos no corpo e sua presença na corrente sanguínea”, diz. No caso do BZ371A, os testes da fase 1 foram feitos na Azidus Brasil, em São Paulo, com o objetivo de verificar se, de fato, o composto não apresentava nenhuma toxicidade para o ser humano.

“Os resultados dessa fase, de fato, não demonstraram nenhuma toxicidade do composto para o ser humano. Isso já é um grande avanço, porque são pouquíssimos candidatos a fármacos que chegam a essa fase”, celebra Maria Elena. “Uma propriedade bastante positiva dessa solução, que foi eficaz e que atesta sua segurança, é que a ação é local, não provocando alterações sistêmicas. Ou seja, ela só tem bons efeitos locais, com a ausência de efeitos sistêmicos negativos. Esse estudo de fase 1, aprovado pela Anvisa, atestou o perfil de segurança da medicação”, completa Paulo Lacativa.

Um Potencial Tratamento para Câncer de Próstata

Recentemente, a Biozeus solicitou à Anvisa a aprovação para a fase 2 dos testes, que também serão feitos em Belo Horizonte. Nessa etapa, os ensaios serão em homens prostatectomizados, ou seja, que passaram por cirurgia para a retirada da próstata, uma intervenção que, na maioria dos casos, leva à disfunção erétil. Em relação à fase 2, Paulo Lacativa afirma que os desenvolvedores querem conhecer “a relação de eficácia da medicação no organismo do paciente”. Nessa etapa, complementa Maria Elena, será testado o potencial do remédio, ao comparar o efeito em indivíduos saudáveis com o gerado nas pessoas prostatectomizadas.

A pesquisadora explica ainda que, na retirada da próstata, cortam-se vários terminais nervosos. Segundo Paulo Lacativa, em razão do estigma que cerca as questões sexuais, muitos homens optam por protelar a operação, o que prejudica o tratamento de tumores e outras doenças que afetam o órgão. “A medicação, se bem-sucedida, deve, inclusive, favorecer o tratamento do câncer de próstata”.

Uso Tópico, Vantagens e Perspectivas Futuras

Os pesquisadores destacam ainda as vantagens de um medicamento para uso tópico. “Os testes, até o momento, já demonstraram que o composto funciona com a aplicação de uma quantidade mínima e sem nenhuma toxicidade, já que praticamente não é detectado na corrente sanguínea. A grande vantagem é que a aprovação de medicamentos tópicos costuma ser bem mais rápida, em razão da menor possibilidade de efeitos colaterais adversos. Além disso, o candidato a fármaco já demonstrou que não gera nenhum efeito colateral detectado, mesmo quando injetado em altas doses”, ressalta Maria Elena.

Outro ponto benéfico é a possibilidade de uso por homens que não podem se medicar com as terapias hoje disponíveis. Na etapa preliminar, de testagem em animais, o composto foi utilizado em animais diabéticos, hipertensos e idosos. “Nós aplicamos em animais desses três modelos e observamos recuperação muito boa da função erétil”, informa a professora. Há expectativa de que o futuro fármaco ocupe uma lacuna hoje deixada pelos medicamentos existentes no mercado.

Potencial para o Tratamento da Disfunção Sexual Feminina

No estudo de fase 1, também ficou atestada a segurança da aplicação tópica do BZ371A em mulheres. Esse dado abre a possibilidade para o desenvolvimento de uma medicação para o tratamento da disfunção sexual feminina. Segundo Paulo Lacativa, cerca de 40% das mulheres são afetadas por algum tipo de disfunção sexual, e muitas delas não encontram tratamento adequado disponível no mercado. “O aumento do fluxo sanguíneo local e da vascularização foi comprovado em estudos anteriores e pode ser uma oportunidade a ser explorada pela Biozeus em futuro próximo”, adianta.

Essa pesquisa pioneira demonstra a riqueza da biodiversidade brasileira e a importância da pesquisa básica para identificar atividades biológicas que podem levar a avanços médicos significativos. Com o potencial de se tornar um tratamento inovador e seguro para a disfunção erétil, o BZ371A, derivado do veneno da aranha Phoneutria nigriventer, está agora em uma emocionante jornada rumo aos ensaios clínicos de fase 2, com a esperança de preencher uma lacuna no tratamento da impotência sexual e proporcionar uma nova vida aos homens afetados por essa condição.

Conclusão

A pesquisa realizada pela equipe da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e pela Biozeus Biopharmaceutical, em colaboração com a Fundação Ezequiel Dias (Funed), representa um marco na pesquisa médica brasileira. Ela exemplifica como a biodiversidade do Brasil pode ser uma fonte inestimável de moléculas bioativas com potencial terapêutico. O BZ371A, derivado do veneno da aranha Phoneutria nigriventer, é um candidato promissor para o tratamento da disfunção erétil, preenchendo uma lacuna importante no tratamento atual dessa condição.

A fase de testes clínicos de fase 2 em homens prostatectomizados oferece esperança não apenas para aqueles que sofrem de disfunção erétil após a cirurgia de próstata, mas também para pacientes com câncer de próstata. Além disso, a possibilidade de desenvolver uma medicação para o tratamento da disfunção sexual feminina é uma perspectiva emocionante.

Esta pesquisa demonstra que a ciência básica pode levar a descobertas médicas revolucionárias e destaca a importância da colaboração entre universidades, empresas e órgãos reguladores para transformar a pesquisa acadêmica em tratamentos reais que beneficiam a sociedade.

Referências

Universidade Federal de Minas Gerais – https://ufmg.br

imagem: FarmaNetwork

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